quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A atribuição de bolsas de estudo vista por um técnico dos serviços de acção social

O sistema de acção social e de bolsas de estudo não está a responder, devidamente, a muitas situações de grave carência económica e essa responsabilidade não é dos técnicos nem dos Serviços de Acção Social (SAS) que, com os parcos recursos de que dispõem, dão o seu melhor em prol dos realmente mais carenciados.

Já sei que muitos irão dizer, ou pensar, que há muitos estudantes que têm bolsa e que não necessitam (são os que maculam o sistema e a imagem dos técnicos/serviços, fruto de um sistema fiscal demasiadamente pesado, que leva à fuga ao fisco, e a uma elevada percentagem de economia paralela, não declarada e muito pouco controlada), mas acreditem que a grande maioria dos estudantes bolseiros são realmente socioeconomicamente carenciados e, sem os apoios sociais/bolsas de estudo, não conseguirão aceder ao ensino superior e prosseguir os seus estudos, em igualdade de circunstâncias, se é que essa igualdade de oportunidades é salvaguardada pelo actual sistema de acção social escolar.

Recentemente, o Senhor Secretário de Estado do Ensino Superior, João Queiró, disse que o Governo "não está a pensar mexer" no regulamento de atribuição de bolsas do Ensino Superior, embora tenha admitido que "tem que ser revisto". Ora, não se compreende como é possível o Governo não pensar mexer no regulamento de bolsas, se Senhor Secretário de Estado, bem como grande parte dos técnicos/serviços, admitem que não está a responder a muitas das situações de carência, pelo que tem de ser revisto.Referiu ainda o Senhor Secretário de Estado, muito recentemente (à margem da cerimónia do 38.º aniversário da Universidade do Minho – Braga), que o actual Regulamento de Bolsas de Estudo “é mais justo do que o anterior”. Que me desculpe o Senhor Secretário de Estado, mas enquanto técnico de acção social, não compreendo como é possível um regulamento ser melhor, se a vertente economicista subverte demasiadamente a vertente da análise social e do estudo de casos, sendo que o sistema de acção social se encontra demasiadamente automatizado e centrado na análise matemática dos rendimentos brutos, sem os técnicos/SAS terem margem de manobra para a devida análise socioeconómica (social + económica)

Como é possível afirmar-se que um Regulamento de Bolsas é mais justo que os anteriores, se não dá margem e autonomia aos técnicos/SAS para a devida análise social e estudo de caso, como sendo, face a situações devidamente analisadas e comprovadas, poderem:


a) abater uma percentagem, ao rendimento bruto do agregado, por motivos de encargos acrescidos de saúde;


b) abater encargos de habitação devidamente justificados e comprovados;


c) ter em consideração possíveis abatimentos por se tratar de agregados com elementos deficientes ou idosos, com significativos encargos de saúde ou de reabilitação;


d) proceder ao abatimento, do redimento bruto dos agregados dos estudantes deslocados, até ao valor do encargo médio de um deslocado alojado, ou não, em residência de estudantes;


e) proceder a um determinado abatimento, ao rendimento bruto do agregado, quando se trate de agregados com mais de um estudante deslocado no ensino superior;


f) ser detentores de um fundo de emergência social, para socorrer situações de emergência social, face a situações de grave carência económica, que por vezes têm de ser resolvidas na hora/dia e posteriormente analisadas, não podendo o estudante ficar sem qualquer meio de sobrevivência até que a situação seja devidamente analisada e enquadrada ou encaminhada para outras estruturas/serviços de apoio;


g) atribuir auxílios de emergência, face a situações de grave carência económica e de eminência de abandono/insucesso escolar, a studantes não enquadráveis no âmbito do processo normal de bolsas de estudo (limitações face ao nº de ECTS/primeira vez sem aproveitamento, nacionalidade não abrangida, entre outras situações económicas especialmente graves que ocorram no decurso do ano lectivo, com possibilidade de análise face à situação socioeconómica do momento;


h) propor a atribuição ou não consideração de complementos face a outras situações excepcionais devidamente analisadas, comprovadas e justificadas caso a caso, no sentido de uma maior justiça e equidade social, independentemente do rendimento per capita do agregado familiar, permitindo assim poupar em quem menos carece e melhor apoiar quem mais necessita.

Como é possível afirmar-se que um Regulameto é mais justo, ou sequer apenas justo, se, exclusivamente face ao rendimento bruto do agregado familiar, considera matematicamente e de igual modo:

• um estudante deslocado como um não deslocado;
• um estudante cujo agregado tem encargos de habitação, igual a outro que não tem qualquer encargo e nem sequer é deslocado:
• um estudante cujo agregado tem deficientes ou idosos doentes, igual a outro que não tem quaisquer encargos de saúde;
• um agregado com dois ou mais estudantes deslocados, igaual a um com apenas um estudante no ensino superior e sem sequer ser deslocado;

Que justiça e que análise social impõe actualmente este regulamento?

Tem equidade, é certo, pois considera-se como iguais todos os agregados, independentemente da sua situação social e económica, cujo rendimento per capita esteja acima de 14 vezes o IAS (410,22€), acrescido do valor da propina, ou seja, a justiça deste regulamento é que, todos os agregados familiares com rendimento per capita superior a 6.868€ não podem aceder a bolsa de estudo, independentemente de qualquer condicionalismo social ou económico, ou seja, um estudante cujo agregado vive nas proximidades da faculdade, que não tenha encargos acrescidos de habitação, saúde, deslocação, mas que tenha um rendimento per capita de 6867€, tem bolsa, enquanto, um outro que seja deslocado, com encargos de alojamento (200€/mês), com almoço e jantar fora do agregado (100€/mês), com encargos de habitação do agregado (350€/mês), com idosos, doentes ou deficientes no agregado e excessivos encargos de saúde, por terem um euro que seja, a mais, no rendimento per capita, já não é carenciado, nem pode aceder a bolsa de estudo, quando na realidade tem uma situação económica muito mais grave.

Que justiça é esta? Não seria justo ter-se em conta os abatimentos supra referidos, discriminando-se positivamente esses agregados?

Que podem os técnicos, os SAS e as Instituições de Ensino Superior fazer para salvaguardar estas situações, se os orçamentos e os recursos humanos já são tão limitados?

A expressão “podem os técnicos/SAS considerar abatimentos, (ou acrescimos/presunções) ao rendimento das economias paralelas”, previstos nos regulamentos anteriores, faziam toda a diferença e permitiam uma melhor análise e justiça social. Dêem-se condições para que os técnicos/SAS possam fazer a devida análise social (apoio/corte) e veremos que, com o mesmo dinheiro, é possível fazer mais e melhor, salvaguardando quem mais necessita e se necessário cortar nas situações em que o Regulamento impede os técnicos/SAS de fazerem da devida justiça social.

José Pereira, Técnico dos Serviços de Acção Social



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